Hall Principal

— É...

Cabisbaixo, caminho até as estátuas que estão ali, e logo dou um suspiro. "O único que restou...", penso. Noto o garoto deitado ali perto, mas decido não incomodar o seu sono.

Percebo a presença da mulher e viro-me em sua direção.
Assim que meu corpo percebe que ela não é humana, meus olhos brilham em um tom leve de azul-claro e a encaram de cima para baixo. "Maiden. Triste. Possível tragédia... de novo", minha mente a analisa. Será que fiquei tão experiente que me tornei incapaz de ter relações sociais aceitáveis sem rótulos?

— ... Seja bem-vinda a St. Louis!

"Sou é incapaz de esconder meus pensamentos", penso enquanto mudo minhas feições. De olhos fechados e com um sorriso enorme, digo:

— Sou o diretor do colégio. Como posso ajudar?

"Mas claro, Maiden triste", penso. Minha mente age contra mim, como se quisesse expulsar as pessoas de perto.

— Prazer, Sonja! Siga-me, mostrar-lhe-ei o seu quarto.

"Mesóclise de novo. Não adianta, eu não aprendo...". Após chamá-la, começo a andar lentamente até o quarto da moça.

— Eu sei de suas mãos, não adianta escondê-las.

Não precisei falar isso alto. Afinal, havia notado a presença da garota assim que ela chegou... ofícios do sobrenatural. Na verdade, meus olhos — ou quase isso. Instintos? — não param de a perseguir desde quando ela chegou. É realmente como se eu farejasse tragédias e decepções... "Ou meninas loiras", penso. Solto minha mão da estátua e me viro para o lado, encarando Elise-Marie. Afinal, devo a escanear como faço com todo o resto, invadindo suas memórias e obtendo plena noção de seu passado, ou...?

Será que me tornei sádico o suficiente para isso? Tratar essa menina como um objeto, algo que me faça decidir entre saborear o poder de estuda-la ou simplesmente pegar as respostas a fundo... O que me tornei? E, afinal, por que todo esse devaneio por uma simples garota? "Eu sei a resposta", penso instantaneamente. Ela é daquele tipo de garota. O mesmo que já morreu por minha causa duas vezes. Realmente, o poder de reparar a fundo nas pessoas não pode ser controlado: ela mal chegou aqui, e eu já sei tanto. Antigamente eu acharia isto incrível, mas hoje sei que é uma maldição. A maldição da experiência.

"E, depois de toda essa confissão, sei de algo mais: é mais uma para a lista. É incontrolável. Eu sou um monstro."

— É, mas acredito que algumas coisas podem se manter escondidas para sempre.

"Como a antiga escola", penso. O desastre realmente arruinou o que havia sobrado da minha sanidade e me deixou incapaz de reconhecer a minha... humanidade. Toda essa melancolia me cega, sim, mas a considero necessária. Afinal, minhas emoções sempre me traíram, sempre me deixaram vulnerável a perdas, sempre me deixaram... só.

Não pretendo deixar aquilo acontecer novamente, mas sei que sou incapaz de prometer algo assim. "Há sempre uma força maior", era o que Marco dizia. E, realmente, não consigo brigar contra eles. Contra o abismo. Minha jornada por poder acabou atraindo a atenção de seres ainda mais poderosos, ainda mais formidáveis. Não me sinto apto a derrota-los, então devo esconder a todos nós, e esconder o nosso passado.

— Beleza humana, é.

O "humana" sai de forma deveras melancólica, mas é incontrolável. Não consigo pensar em muito além daquilo, tentando segurar ao máximo a minha vontade de analisar a garota. Ela era tão semelhante a...

— Você sabia que a frase "os fins justificam os meios" não pertence a Maquiavel? Apesar das pessoas acharem o contrário...

É a única coisa de figuras históricas do Outro Mundo que consigo pensar. Todavia, realmente é comparável ao que fizemos, hm? Tentamos ganhar uma briga que era impossível. Conseguimos ir longe, mas... não foi o suficiente.

— Além disso, a frase não faz tanto sentido assim, ela vai contra o conceito da vitória pírrica... a coisa que mais me...

Nó na garganta. Não sinto isso há anos, está difícil falar. Está difícil agir. Estou com sede? Ainda não me acostumei, deixei-me fraco de propósito para evitar ser notado, e agora isso está se virando contra mim.

— Desculpe, acho que estou falando demais.

A cada piscada, minha mente capturava as imagens, suas minúcias e, as aprisionava para sempre dentro de mim. Pisquei novamente e me deparei com as estatuetas do Hall Principal. Não queria admitir, mas elas eram magnificas. Os filetes de raio de luz que recaiam sobre elas me ajudaram a vislumbrar perfeitamente até os pequenos detalhes; os tecidos davam a impressão de desgaste e que tinham várias camadas na pedra, as rugas moldadas, os fios de cabelos e a serenidade nos olhos deles.

O artista que produziu estas obras, sem dúvida nenhuma, já se encontrava a sete palmos do chão e, mais provavelmente, esquecido na história. Contudo, essa pessoa deixou a reminiscência da sua genialidade. Deixei um sorriso de canto escapar dos lábios. Meus olhos então seguiram para baixo e notei duas plaquinhas, revelando que uma das estatuas foi o antigo Diretor e outro um prestigiado Professor. Balancei a cabeça, perdendo o interesse enquanto dirigia minha atenção às pessoas ali. — Hmm... O que será que devo fazer agora? — Murmurei num tom monótono.

ㅤㅤ ㅤ  ㅤㅤ ㅤ  ㅤㅤ ㅤ Vozes podiam ser ouvidas de todos os cantos do Hall. Cada detalhe dali parecia ter sido metodicamente planejado. ━━━━━ Lisbeth observava cada um dos seres ali, acompanhando-os com o olhar. Geralmente era extrovertida e começava a conversar com alguém hora ou outra, mas apenas sentou-se em um dos bancos de estofados escuros, apoiando o rosto em uma das mãos enquanto este esboçava uma feição de monotonia.

— Mas...

Antes de poder terminar de falar, ela se vai. Até penso em a segurar pelo braço e tentar me explicar, mas não consigo e não devo. Afinal, sou o diretor, preciso manter minha postura. Apenas noto que novos estudantes chegaram, e sigo em frente para cumprimenta-los.

Percebo uma velha figura: uma garota que salvei em um certo dia. Lembro-me de maneira vivida de seu corpo jogado nos confins daquela igreja, em mais um dos flashbacks que minha mente me fornece. Ela parece sozinha e sem apoio, algo que vai contra o que Marco pregou para esta instituição. Sei do meu dever.

— Olá! Me lembro de você.

Estava de pé, em frente a uma conhecida. Volto a fazer o sorriso de olhos fechados, que até agora não me rendeu fruto social algum, e estendo minha mão para Lisbeth como havia feito no passado. Eu tenho plena consciência da condição dela, mas não a julgo. Não é a primeira que conheço de sua raça, e não é a única aqui com certa... sede insaciável.